Janelas de Hoje

Tenho uma tia viciada em janelas. Antigamente as ruas eram calmas, haviam poucos carros trafegando vagarosamente e muita gente andando a pé. Nessa época ela sentava na sua janela e ficava fiscalizando todos que passavam pela frente. Era como uma biógrafa multitarefa. Várias pessoas tinham suas vidas imortalizadas e expostas sem sequer se preocupar em comprar uma caneta. Esses eram os anos dourados da biografia não autorizada.

Hoje em dia os carros passam a grandes velocidades e quase todos com vidro fumê, não dá pra enxergar o cafajeste do marido da Maria com a sirigaita da Leonor passando na frente da janela. Quase ninguém anda a pé, e é difícil escutar alguém conversando com tantas buzinas. Ela chegou a aprender leitura labial mas isso só foi útil por um tempo.

Sendo uma pessoa dedicada ao que faz, ela não perdeu tempo, fez um curso de internet, aprendeu a operar diversos eletroeletrônicos e hoje consegue exercer sua profissão com muito mais eficiência. Múltiplas janelas vasculham diversas pessoas no Orkut simultaneamente. Os perfis são vasculhados por alterações com programas sentinelas, os recados são esmiuçados até formarem toda uma cronologia do relacionamento entre os contatos. Enquanto isso, as câmeras de segurança do prédio informam toda a movimentação dos arredores no conforto de seu quarto. Se o condômino estiver no elevador, na piscina ou na garagem, ela está vendo. No hall social, no salão de festas ou na escada de emergência, ela está vendo. Não há como escapar dos olhos vigilantes da minha tia.

Por alguns trocados, ela conseguiu puxar uma gambiarra das câmeras de segurança dos prédios vizinhos e hoje toma conta do quarteirão inteiro. Todos podem ficar tranquilos, ela está tomando conta, a qualquer hora do dia ou da noite. Na semana passada soube que ela estava procurando um contato no Detran, a fim de conseguir acesso às camêras de trânsito, expandindo assim seu alcance observatório.

Vocês podem achar que é muita informação pra uma pessoa só, e é. Ela conseguiu casar o filho com uma estagiária e hoje fazem todo o serviço a quatro olhos. E duas bocas. Aparentemente o negócio tem muito pra crescer ainda e o mercado é carente desse serviço.

Inevitavelmente, começamos a chamar ela de Big Sister. Não sei até quando isso vai continuar, mas Pedro Bial tem muito que aprender.